Centennial Theatre Center

Existiram alguns outros assim como ele.

Não tinha nada de especial.

Fora largado por cima dos arbustos. Arranhões no rosto, folhas pelo corpo, pescoço estrangulado. A jaqueta aberta deixava vazar o cheiro do crack que passou a noite escondendo nos bolsos. A mulher o perseguiu por poucos metros até ali, logo após se levantar do piso gelado do estacionamento.

Ela estivera deitada de lado, com a frente do vestido toda rasgada. Ele a acertara com a faca por entre as costelas. A primeira estocada com maior força, as seguintes com velocidade. Um ataque mudo, por ambas as partes. A fúria se mostrava apenas nos olhos do traficante; já na face da vítima, indiferença.

Angelina vinha atraindo por vários meses o traficante até aquele momento. As drogas compradas, as dívidas feitas, as promessas vazias... Tudo para o instigar ao máximo sua ira. Tentara ofertar outras coisas como pagamento, mas ele apenas exigia dinheiro. Decepcionante, no mínimo. Mas decepção maior foi tê-la esfaqueado à primeira vista aquela noite. Assim, sem nenhuma ameaça macabra ou exigência imoral. Apenas a faca.

Ela perdera as contas de quantos iguais a ele a decepcionaram. Nenhum estivera à altura de seus vícios ou pornografia moral, sendo todos muito “comuns”: meros delinquentes de oportunidade ou criação. Faltava-lhes coração.

A Seguidora de Set levantou-se tão logo o traficante começou a se afastar. Seu corpo, que deveria permanecer esfaqueado e sem vida no chão, não estava; estava morto, sim, mas de pé e com vida aos olhos da incrédula vítima real. A visão foi suficiente para fazê-lo se assustar, iniciando uma fuga tímida repleta de olhadas para trás por cima dos ombros. Ela não estava mais lá, estava ao seu lado, e então atrás dele novamente. Em poucos instantes a língua alongada e bifurcada da serpente corrompida entrelaçava-se no pescoço do infeliz, roubando-lhe o ar por completo e fazendo seus ossos estalarem.

Angelina o largou exatamente ali, caído em cima dos arbustos. Uma ligação para um de seus contatos e o corpo foi devidamente dispensado mais tarde naquela noite.

Há muito tempo – pouco, na verdade, para o padrão dos mortos-vivos – Marie vinha tentando encontrar uma espécie de discípulo, capataz ou coisa que o valha. Os poucos que valiam a pena manter contato haviam partido de Vancouver e os seus semelhantes de Clã pareciam mais uma fábula para ela. Estivera todo esse tempo sozinha, saciando-se de seus vícios e sendo muito mais política e amigável com a sociedade humana do que gostaria de ter sido. Sua alcunha artística, Angelina Sartrè, florescia de um modo que não deveria ter florescido. Queria admiração, prazer e reconhecimento diferentes, muito mais deturpado do que aquilo que vinha recebendo.

Esta noite, em mais um ato para manter a máscara, comparece ao Centennial para assistir a um evento artístico acompanhada do Administrador do espaço. Enquanto sorria para aqueles que bajulavam a mais talentosa atriz de teatro, alcunha que carrega há tempos e que começa a lhe cansar, pensa no traficante da outra noite.

Angelina invejava seus últimos momentos.